quinta-feira, 26 de maio de 2011

Avôhai


Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas
De ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde coarava
Sua camisa e seu alforje de caçador
Oh meu velho e invisível Avôhai
Oh meu velho e indivisível Avôhai
Neblina turva e brilhante em meu cérebro coágulos de sol
Amanita matutina e que transparente cortina ao meu redor
E se eu disser que é meio sabido você diz que é meio pior
E pior do que planeta quando perde o girassol
É o terço de brilhante nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo da porteira
Nem também da companheira que nunca dormia só
Avôhai… Avô e pai
Avôhai
O brejo cruza a poeira de fato existe
Um tom mais leve na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas que fitar
Mas que bebem sua vida, sua alma na altura que mandar
São os olhos, são as asas
Cabelos de avôhai…
Na pedra de turmalina e no terreiro da usina eu me criei
Voava de madrugada e na cratera condenada eu me calei
Se eu calei foi de tristeza, você cala por calar
E calado vai ficando, só fala quando eu mandar
Rebuscando a consciência, com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa, girando na carrapeta
No jogo de improvisar
Entrecortando eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa
Pra doutor não reclamar
Avôhai… Avôhai
Avôhai… Avôhai

Zé Ramalho 

Significado da Letra

Realmente, Avohai é um musicaço. Quanto ao significado, segundo o Zé Ramalho, é uma palavra que ele inventou quando estava compondo a música. Ela significa avô e pai. É uma espécie de homenagem ao seu avô, que se chamava Raimundo. O ainda garoto Zé o chamava de Avô Rai (convenhamos, a palavra “Avohai” a despeito de ter a mesma sonoridade do tratamento, é muito mais mística, concorda?). É possível também, que pelos conhecimentos medievais de Zé Ramalho ele tenha feito um jogo de palavras a partir do hebraico, tipo: “Avot” (Pais ou antepasados) + Chai ou “Hai” (Vive), isto é: Meu Avô Vive!. A letra em sí, é um apanhado de imagens nordestinas, lembranças de sua infância na tórrida Brejo da Cruz (“o brejo cruza a poaeira…”). Mas também tenta retratar a continuidade da espécie, passar a sabedoria de uma geração para a outra. O avô passa para o pai, que passa para o filho e aí por diante.


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