Despir um corpo a primeira vez
é um conhecimento entre dois deuses
Não se pode profanar o instante
E os amantes devem manter o ritmo dos altares
Porque, embora nesses rituais haja sempre
panos e trajes para agradar o Olímpio,
é pra nudez total que o céu nos quer quebrar
As mãos têm que ter um compasso certo
Um andante ou laro de Bach nos gestos,
compondo a alegria dos homens e mulheres
As mãos, sobretudo, não podem se apressar
Com os olhos têm que aprender e, com a ponta
dos dedos, contemplar os acordes que irão
surgindo quando, peça por peça,
o corpo for se desvestindo ao pé do altar
Antes de se tocar com as mãos e lábios,
na verdade, já se tocou o corpo alheio
com um distraído olhar sempre envolvente
E ninguém toca um corpo impunimente
Despir um corpo a primeira vez, não pode ser
coisa de poeta desatento colhendo futilmente
a flor oferta num abundante canteiro de poesia
Nem pode ser coisa de um puro microscopista
que olha as coisas sabiamente
Se tem que ser ser de sábio olhar,
que seja do botânico, porque esse saber aflorar
em cada espécie tem de mais secreto ou distante,
o que cada espécie sabe dar
Despir um corpo a primeira vez
é conhecer, pela primeira vez uma cidade
E os corpos das cidades tem portas para abrir,
jardins de pousar, torres e altitudes que excitam a visitação
Quando os corpos se tocam por acaso,
como se estivesse indo em direções diferentes
o que ocorre é desperdício. Não se pode tocar
um corpo impunimente
Para se tocar um corpo completa e profundamente,
num dado instante, os corpos têm que se convergir
E convergir com uma luz diferente
A descoberta do outro é isso, é convergência
Despir um corpo a primeira vez
é como despir um presente, por isso não se pode
desembrulhá-lo assim às pressas, embora a gula
nos precipite afoitos sobre a pele ofertada
Não se pode com as mãos infantis,
descompassadas, ir rasgando invólucros,
arrebentando cordões com gula que às crianças
só têm nas confeitarias antes da indigestão
Um corpo é supresa sempre
É o que se vê nas praias,
nessa pública ostentação, nesse exercício coletivo
de nudez negaceada, em nada tira a eufórica
contentação do ato, quando os dedos vão
desatando botões e beijos,
e rompendo as presilhas das carícias
Despir um corpo a primeira vez
não é coisa de amador
Só se o amador for amador da arte de amar,
porque o corpo do outro não pode ter
a sensação de perda, mas a certeza de que
algo nele se somou, que ele é um objeto
luminoso que a outros deve iluminar
Um corpo a primeira vez,
no entanto, é frágil e pode trincar
em alguma parte. E os menos resistentes
se partem, quando aquele que os toca,
os toca apenas com cobiça e nunca
a generosa mansidão de quem veio
pela primeira vez, e sempre, para amar
(Belo Horizonte, 27 de março de 1937)
é um escritor brasileiro.
Nota: Obrigada a Loba pela indicação.
4 Devaneios:
oi vc que é demais brigadão que foto linda tem muito bom gosto agradeço por ter gostado muitos abraços fique na paz é tão bom e gratificante ter pessoas que apreciam aquilo que amamos bjs loba
já ganhei meu presente de aniversario bjs loba
No, no e no!!!
Eu que agradeço pois não conhecia o Affonso. Obrigada por me presentear com essa leitura, simplesmente linda. Bom seria que todos, não só os homens, mas homens e mulheres atentassem pra importância que é o primeiro contato, o segundo contato, o terceiro, o milionésimo contato. Que atentassem pra beleza que é e não banalizassem.
Bom, mas como vc disse q é presente de niver, fico só c uma pontinha dele e dedico 99,9% a vc. Felicidades independente da data.
Bjão e abraço na alma.
querida depois que vc postou , foi realmente meu presente de aniversario antecipado porque é no dia 18 mas fiquei tão feliz que resolvi receber esse presente que vc me deu hoje bjs loba
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